sábado, 17 de julho de 2010

CACHAÇA: DA SENZALA À CASA GRANDE, DO BOTECO AO REQUINTADO

Um copo de vidro é posto em cima do balcão de um botequim qualquer do bairro mais popular da cidade. A mão suja e grosseira leva o copo à boca seca e devolve-o com a mesma força daquele gole que desce rasgando a garganta. Essa visão estigmatizada de quem bebe cachaça está descontextualizada da realidade atual. Considerada uma verdadeira especiaria nos restaurantes contemporâneos da alta gastronomia do país e do mundo, a bebida que nasceu pelas mãos dos escravos virou símbolo de brasilidade.



Quem disse que cachaça é água?

Malvada, dengosa, pinga, remédio, suada, danada, imaculada ou, para os gringos, o mais sem graça de todos os nomes: “Brazilian Rum” (rum brasileiro). Apesar de tantas opções (são mais de 400 sinônimos e denominações populares), não teve jeito. A aguardente, que é feita a partir da cana-de-açúcar, foi patenteada em 2003 e desde então não pode atender por outro nome mundo afora que não seja cachaça. Mas para chegar até este importante acontecimento na história da iguaria em questão, o mundo deu muitas voltas.

Genuinamente nacional, nasceu no início da colonização do Brasil, entre os anos de 1530 e 1550. A sua história começa como um acidente de percurso nas casas de engenho. Os escravos responsáveis pela produção da rapadura acabavam, às vezes, perdendo o ponto do caldo, o qual fermentava. A cagaça, nome do tal líquido, era resultado do trabalho braçal de moer a cana. Uma vez fermentado, tornava-se, muitas vezes, lixo. Outras tantas, no entanto, numa bebida que estimulava os negros – embora a corte portuguesa repudiasse tal liberdade, temendo as fugas. Na verdade, como todo bom acontecimento, essa é só uma das versões. Outra, menos conhecida, atribui a invenção da imaculada aos homens livres.

Mas, seja qual for, não dá para negar: o sucesso foi inevitável. De primeira, aconteceu nas senzalas e nas festas mulatas. Depois, caiu no gosto dos senhores de engenho. Já era a hora de substituir o vinho do porto. A produção cresceu. E mais: filtração e destilação foram etapas acrescentadas ao processo. A fermentação ganhou novos modos de preparo. A cachaça, novos apreciadores. Enfim, os olhos de empreendedores enxergavam um futuro lucrativo naquela brincadeira nascida no quintal de casa. Era um bom negócio: graduação de 38% a 54% de álcool etílico, em volume, a 20°C, podendo ser adicionada de açúcares até 6 g por litro, expressos em sacarose. Tais propriedades chamavam a atenção de clientes a apreciadores.

A pinga saiu do botequim e foi, aos poucos, conquistando as mais finas mesas do mundo. Alemanha, Portugal, Estados Unidos, Itália e Paraguai formam o grupo de maiores importadores de aguardente da cana. Ganhou tanto respeito que já foi servida em várias reuniões internacionais e eventos de toda espécie pelo mundo afora. Tem, inclusive, o aval do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “O dia que o mundo experimentar a boa cachaça brasileira, o uísque vai perder mercado”, comentou certa vez à imprensa.

A história de Pernambuco em um copo